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domingo, 12 de junho de 2011

TEMPOS DE BRINCAR(Celso Antunes)

TEXTOS DE CELSO ANTUNES SOBRE A EDUCAÇÃO INFANTIL
TEMPOS DE BRINCAR

O conceito sobre “brincar” na Educação Infantil, viveu momentos distintos.

Durante muitos anos, quando se acreditava que criança era apenas adulto pequeno e imaturo, o brincar se associava aos momentos de lazer e aos folguedos, forma infantil de ocupar os curtos tempos livres da infância.

O sensível avanço da pedagogia com a chegada do século XX alterou rapidamente esse conceito e, amparados por estudos profundos de Vygotsky, Piaget e outros se descobriu que o brincar jamais se separava do aprender e que toda boa educação infantil deveria canalizar a alegria do lúdico à essência da aprendizagem. Essa nova idéia mudou a feição da infância e brincar se tornou exercício de sonho e criatividade, de fantasia e competência. Viveu-se o período áureo das brincadeiras e se lamentava com rigor a criança carente ou em guerra, afastada desse importante crescimento. Ao que tudo indica, essa fase chegou ao fim.

Não que novas teorias sepultem a seriedade dos estudos realizados e teses elaboradas, não que se questione a importância do lúdico na construção de relações interpessoais, na formação do caráter e na habilitação para competências e valores. Ocorre apenas que se popularizou a importância das avaliações exógenas e que provas e mais provas estão fazendo dos alunos de agora “escravos” que pelo seu desempenham e notas atestam o valor de seus professores e o esforço de progresso de seu município. A verdade é que a obcessão avaliativa roubou da infância o espaço do brincar. Atualmente, ser criança escolarizada é submeter-se a vida estressante de um tempo com vigília, pleno de horários e tarefas rígidas, monitoradas e medidas o quanto mais cedo melhor.

A década de 1990 trouxe uma gradual, mas inexorável idéia de avaliação do desempenho que impõe drástica redução no espaço do brincar. O dia escolar ficou repleto de matérias e a atual agenda infantil empurra a criança para desafios, lições, reforços e recuperações. O exagero perverso da medição do desempenho do professor, escola, município e estado pelo sucesso do aluno estão sepultando a infância, os estudos de Piaget e a belas teses de Vygotsky e outros muitos.

ITAMAMBUCA, 06. 07. 2010

A COMUNICAÇÃO PRIMÁRIA(Celso Antunes)

      TEXTOS DE CELSO ANTUNES SOBRE A EDUCAÇÃO INFANTIL
A COMUNICAÇÃO PRIMÁRIA

Observe a fêmea animal em comunicação com a cria recém-nascida. Ela lambe, focinha, alisa, arruma pelos, aninha-se. Nesse processo não existe apenas a euforia pelo bebê, mas o apelo do instinto em criar laços e dar segurança na passagem do útero para a vida independente. Estudos recentes comprovam que filhotes que nascem em cativeiro e são depressa afastadas da mãe, antes de receber o apelo dessa transição, crescem assustados, temerosos, agressivos, arredios. Sem essa intensa e contínua comunicação primária a falta do intercâmbio de afeto prejudica de maneira sensível a conexão social e a felicidade de qualquer ser animal.

Nesse particular, os seres humanos são vitimados pela invenção da linguagem e pela extrema tolice da crença de se acreditar que somente com a mesma é que a comunicação entre adultos e crianças se intensifica. A fala é importante, a linguagem do bebê desde seus primeiros balbucios exigem interesse e atenção, mas é imperdoável esperar pela mesma. Toda criança – ainda que jamais existam duas crianças iguais – necessita muito dessa comunicação primária, formas de relacionamento com pessoas e que não podem ser atingidas apenas por meio da linguagem. O primeiro desses relacionamentos sempre será entre a mãe e o bebê e por mais que se queira incluir o pai e outros adultos, é impossível fugir da realidade do fato de que todo feto em crescimento está literalmente imerso na vida da mãe, estimulado por sua voz, por seus ritmos de sono e atividade e por um verdadeiro coquetel de hormônios, toxinas e nutrientes que passam através do cordão umbilical.

Mas, nesse ponto chega-se ao centro dos objetivos desta crônica.

Essa comunicação primaria é essencial e imprescindível, mas em sua falta ou transmissão incompleta qual papel cabe a escola e as educadoras infantis?

A saída do útero para a realidade agressiva do ambiente necessita ser feita através de uma transição gradual e cabem as educadoras infantis essa facilitação, preocupando-se menos em ensinar e colocar para brincar e muito mais em tocar, falar, provocar, sorrir, cantar, acalentar, embalar, enfim, dar-se plenamente nessa imprescindível e ilimitada entrega.

A palavra “comunicar” tem sua origem em “tornar comum” e assim estabelecer um entendimento compartilhado que envolve doação muito mais sutil que uma simples transmissão de palavras e oferta de alimentos e brinquedos.

ITAMAMBUCA, 05. 07. 2010